Análise crítica: O Trato dos Viventes. Formação do Brasil no Atlântico Sul


 

Uma análise crítica


ALENCASTRO, Luiz Felipe. O Trato dos Viventes. Formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Cia. Das Letras, 2000, p. 117- 154.



Neste trabalho vou desenvolver uma análise crítica do texto: “O Tratado dos Viventes” (entre as páginas 117-154.), de Luiz Felipe Alencastro, um historiador, cientista político brasileiro e Professor na Universidade Estadual de Campinas, assim como, na Universidade de Paris. Nascido em Santa Catarina, na cidade de Itajaí, no ano de 1946.

A colonização da América Portuguesa se deparou com muitas adversidades ao longo dos séculos. Em seu livro, Alencastro vai abordar a relação entre os colonos e os indígenas, o comercio negreiro do Atlântico Sul e, a chamada por ele, unificação microbiana dos três povos.

Com a chegada dos Europeus na América, e por consequência a colonização das novas terras, a mão de obra indígena logo viu-se necessária pelos sesmeiros que receberam o papel, destinado pela coroa portuguesa, de colonizar e cultivar as novas terras conquistadas, tornando os nativos alvo de interesses de duas classes da sociedade portuguesa. Ao mesmo tempo em que os colonos tinham o interesse de usar a mão de obra indígena, o clero, através das missões jesuíticas, almejava expandir a fé cristã ao novo continente, até então interpretado como uma ilha, dificultando, porém, não impedindo o uso da mão de obra escrava nos nativos.

O uso da força de trabalho indígena foi limitado por três leis sucessivamente editadas. A lei do Resgate, consistia na troca de mercadorias por índios prisioneiros de outros índios (segundo o alvará de 1574). Esses nativos, adquiridos através do resgate, segundo a lei, eram limitados a apenas 10 anos de trabalho escravo para os colonos. Essa obrigação não era frequentemente seguida pelos colonos. A lei dos Cativeiros, referente a todos os índios capturados por meio da guerra justa (aqueles que cometiam o antropofagismo ou não aceitassem o batismo). Para tais nativos, a escravidão poderia ser aplicada para o resto da vida. E, por último, os Descimentos ou Aldeamentos, consistiam em um deslocamento forçado dos indígenas para outras regiões por autoridades do governo metropolitano. Tais nativos só podiam ser utilizados mediante salário, segundo a lei. (ALENCASTRO, pg:119)

É interessante mencionar o relato deixado pelo autor do texto sobre o testemunho apresentado por John Monteiro, na qual ele cita um casal Paulista em meados de 1600, cuja a posse de dez índios é transferida em herança. Esses índios, perante as leis, são considerados livres, entretanto, o autor apresenta um outro dado exemplificando que a gigantesca maioria da mão de obra indígena era composta de nativos formalmente livres. “Assim, esse grupo de proprietários possuía nove escravos africanos (1%), 124 escravos índios (14,5%) e 723 índios ditos “forros” (84,5%)”. (ALENCASTRO, pg:120)

Apesar das práticas de aldeamentos isolarem os nativos de suas regiões habituais e do seu povo, não os impediam de continuar fugindo, levando ao naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira afirmar que as debandadas seriam inevitáveis e a solução seria a o uso de mão de obra Africana. Dizia ele: “Os pretos não fogem para a África, donde vêm, não é por falta de vontade, mas pela falta de meios para atravessarem tantos e tão distantes mares.” (pg:126). Longe de casa, em território desconhecido com uma língua desconhecida, o negro começava a ser intimidado e desestimulado a fugir.

O ataque de grupos hostis era recorrente. As tribos dos Potiguares, Aimorés e Tamoios, eram notoriamente conhecidas por atacar cidades na Paraíba, Pernambuco, Bahia e no Rio de Janeiro. Havendo a necessidade de diminuir a intensidade dos conflitos nas cidades colônias, os colonos buscaram formar alianças com tribos inimigas de seus inimigos, promovendo os aldeamentos. Em um documento imperial redigido no ano de 1592, em uma congregação realizada na Bahia, demonstrava a intenção da pacificação das fronteiras indígenas. “Nele, os jesuítas explicam: O único remédio deste Estado é haver muito gentio de paz posto em aldeias ao redor de engenhos e fazendas, pois com isso haverá a quem servir e a quem resistir[...]”. (ALENCASTRO, pg:123). A intenção dos portugueses era diminuir sua atenção para as guerras internas e permitir a criação de tropas para enfrentar ameaças vindas da Europa. Mais tarde os portugueses conseguiram essas alianças, tendo o apoio dos Potiguares, juntamente as tropas Luso-Brasileiras, para atacar o Quilombo dos Palmares na segunda metade do século XVII, sendo responsáveis também, juntamente ao Zorobabé, pelo fim da Revolta Aimoré na Bahia. (ALENCASTRO, pg:124).

A unificação de povos vindos de regiões tão distantes do planeta deu origem ao que Alencastro chamou de unificação microbiana no mundo. Os nativos sofriam drasticamente com as doenças trazidas pelos povos europeus e africanos. Uma curiosidade apresentada pelo autor é a conclusão de que os índios da América do Sul, por se isolarem de outras comunidades humanas por muito tempo, apresentavam apenas o tipo sanguíneo O e eram muito vulneráveis as doenças que assolaram o mundo antigo. Os nativos já teriam o contato com o Bócio, Parasitoses, Dermatoses, Disenterias e a Malária. Os europeus foram responsáveis por introduzir a Varíola, Rubéola, Escarlatina, Tuberculose, Lepra e Sarna. Os africanos também trouxeram doenças para concluir o “coquetel” microbiano, sendo eles responsáveis pelo Tracoma, Elefantíase, Amarelão, e a Febre Amarela. Até meados de 1550, os índios já haviam sido expostos a aproximadamente 10 mil europeus. (ALENCASTRO, pg:127).

 

A medicina na América Portuguesa, até o final do século XVII, não fazia uso dos conhecimentos europeus. De fato, Alencastro menciona em seu texto que o primeiro médico, formado pelas faculdades europeias, a ir morar definitivamente nas novas terras, chegou em meados de 1600. As práticas medicinais aplicadas nos enfermos da colônia eram basicamente conhecimentos indígenas. O uso da flora, como: ervas e cascas das árvores, foi muito elogiado pela sua eficaz pelos jesuítas. Entretanto, com a epidemia de febre amarela que se alastrou em Pernambuco no ano de 1686, tais métodos foram duramente criticados pelos médicos europeus, que menosprezaram os conhecimentos locais e culparam a doença por uma punição divina pelos pecados da sociedade, apesar das receitas se demostrarem eficazes. (pg:137).

Com a fragilidade imunológica dos nativos, observada pelos colonos e muito bem desenvolvida pelo autor, a mão de obra escrava africana passou a receber maior interesse devido a sua maior resistência imunológica. No ano de 1665, as Câmaras de São Luís já compravam escravos da Angola e da Guiné para a cultura das fazendas e o trabalho no engenho, recebendo incentivos de dois terços de desconto para a “importação” de negros angolanos. (ALENCASTRO, pg:141). Segundo o autor, em uma entrevista sobre o livro apresentada na UNIVESP TV, estima-se que entraram, ao longo de toda a colonização, oito vezes mais escravos negros que europeus livres na América Portuguesa.

Mencionado no parágrafo seis, o ato de dessocialização do escravo vindo da África era intencionado para desumanizar a pessoa, torna-la um objeto, longe dos seus semelhantes que falavam a mesma língua e tinham os mesmos ritos. Este ato, por consequência, desestimulava a fuga de muitos africanos. Quanto mais distante de seu país o escravo era vendido, mais alto era o seu valor. Escravos fugidos e recapturados perdiam valor de mercado, pois já conheciam as matas americanas e eram considerados fomentadores de revoltas. (pg:146).

Portanto, Luiz Felipe de Alencastro apresenta uma obra muito esclarecedora ao abordar as relações entre colonos e indígenas. Muitos dados por ele apresentado preencheram lacunas na qual eu carregava, referente ao tema, a eventual substituição da mão de obra nativa pela africana e a influencias que a junção de doenças de três partes diferentes do mundo exerceu nessa ação.

 

 

 

Bibliografia:


ALENCASTRO, Luiz Felipe. O Trato dos Viventes. Formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Cia. Das Letras, 2000, p. 117- 154.

HISTÓRIA: A História do Brasil no Atlântico Sul – Luiz Felipe De Alencastro – PMG 16. Produção: UNIVESP TV. Disponível em: www.youtube.com/watch?v=_PVnxAZPpKw

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