Um ensaio sobre “A Era dos Extremos” – Eric Hobsbawm (Capítulo 1)


História Contemporânea 

O capítulo toma palco a partir dos turbulentos acontecimentos da Primeira Guerra Mundial (1914), não deixando, obviamente, de tangenciar as circunstâncias anteriores a este período, episódios indispensáveis para o entendimento do contexto Europeu na qual podem ser aprofundados a partir dos entendimentos de outros autores, tais quais Said, abordando o Imperialismo Europeu, Quijano quando mencionado o colonialismo, assim como o próprio autor, ao se analisar a obra “A Era dos Impérios”, na qual busca ponderar os acontecimentos do século XIX.

Hobsbawm inicia, propriamente, questionando os pensamentos daqueles que vivenciaram as primeiras décadas do século XX. Certamente a visão de fim dos tempos parecia fazer muito sentido. Ao ser declarado o Estado de Guerra, no verão de 1914, as potências envolvidas mobilizaram milhões de homens que foram enviados para batalhas, onde, devido aos avanços tecnológicos, viriam e protagonizaram o nascimento de novas doutrinas militares.

A Primeira Guerra Mundial protagonizou batalhas muito sangrentas, a exemplo o autor cita a Batalha de Verdun (1916), na página 33. Considerada a maior e mais sangrenta batalha de toda a guerra, Verdun acumula seus 303 dias de duração, protagonizando, segundo o autor, 1 milhão de baixas militares. Este valor é incerto, podendo variar para 680mil baixas como menciona o historiador David Stevenson em seu livro “A História da Primeira Guerra Mundial”. Apesar das variações, certamente podemos concluir que os números são altíssimos, e para aqueles que vivenciaram os 303 dias de batalha em Verdun, experimentando os mais de 1 milhão de projéteis de artilharia que foram utilizados ao decorrer da batalha, a noção de “fim dos tempos” não seria um absurdo em se imaginar.

Entretanto, não apenas aqueles que vivenciaram as batalhas poderiam chegar a esta mesma conclusão. Para aqueles que não foram enviados aos campos de combates, por infinitos motivos, presenciaram no horizonte o massacre de grande parte dos seus conterrâneos. Talvez, a ideia de fim do mundo fosse ainda mais aterrorizadora para aqueles que não foram enviados as batalhas, caso soubessem que 20% dos homens franceses, em idade militar, foram mortos durante os combates. (HOBSBAWN, Eric.).

Ao fim das duas grandes guerras, cerca de 80 milhões de pessoas haviam morrido, o que representa um pouco menos de 40% da atual população brasileira. Mesmo após essa gigantesca catástrofe, e a detonação de duas bombas nucleares, o mundo ainda não tinha atingido seu epílogo, apenas iniciado aquilo que Singer denominou de “a era do massacre” e Hobsbawm parafraseou em seu livro. Para as gerações anteriores, o autor concluiu que a palavra ‘paz’ havia perdido o sentido. Mesmo nos momentos entre 1918 – 1939, “paz” não possuía o mesmo significado quando comparado a 1913, ou qualquer outro ano anterior a Primeira Guerra Mundial.

Dentro da Europa, no período conhecido como “entre guerras”, emergiu dentro da sociedade alemã um sentimento de humilhação. Este sentimento tem sua origem, principalmente, a partir das medidas impostas pelo Tratado de Versalhes a recém-nascida República de Weimar, mas ao mesmo passo, este sentimento permitiu a ascensão daquilo que viria a ficar conhecido como “a lenda da punhalada pelas costas”. Esta visão política serviu como base para incendiar uma onda de ódio e desprezo por uma determinada parcela da sociedade alemã (comunistas e judeus). (LIBEL, Vinícius). Com tanto rancor pairando sobre a Europa, como a palavra “paz” poderia preservar o mesmo sentimento de tranquilidade? Para aqueles que vivenciaram o horror da guerra, não havia como. O autor, neste caso, leva para uma questão pessoal:

“Para os que cresceram antes de 1914, o contraste foi tão impressionante que muitos - inclusive a geração dos pais deste historiador, ou pelo menos de seus membros centro-europeus - se recusaram a ver qualquer continuidade com o passado. "Paz" significava "antes de 1914": depois disso veio algo que não mais merecia esse nome” (HOBSBAWM, Eric. 1995. p. 30)

Os pontos previstos no Tratado de Versalhes, em especial a “cláusula da culpa de guerra” que tinha o objetivo de, unilateralmente, condenar a Alemanha pelos danos da Primeira Guerra Mundial, promoveu aquilo que o autor veio a nomear de “paz punitiva”. Dessa forma, qualquer oportunidade de uma paz duradoura seria despedaçada a partir da vontade das potencias vitoriosas em excluir os derrotados.

Com a chegada da década de trinta (1930), a Europa já se encontrava, novamente, em meio a um vulcão prestes a entrar em erupção. Todas as cláusulas do Tratado de Versalhes, com exceção das determinações territoriais, já haviam sido descumpridas. (HOBSBAWM). Em 1933, o NSDAP, popularmente conhecido como partido nazista, consegue a nomeação de três cargos fundamentais. Adolf Hitler é nomeado Chanceler, Wilhelm Frick assume o cargo de Ministro do Interior da Alemanha e Hermann Göring o cargo de Ministro do Interior da Prússia. Estes três cargos, garantiram ao NSDAP o controle total das forças de segurança da Alemanha. (GILBERT, Martin) Mas não apenas na Alemanha as tensões cresciam. Em 1935 a Etiópia era invadida pela Itália de Mussolini, no poder desde 1922. Ao longo desta mesma década (1936-1939), a Espanha queimou em uma guerra civil financiada tanto pela Alemanha de um lado quanto pela URSS do outro. Por fim, as operações alemãs no Leste Europeu. A invasão da Ásturia, seguido da Tchecoslováquia e por fim, a assinatura do Pacto Molotov-Ribbentrop em agosto de 1939, levando a invasão em conjunto da Polônia por forças da então Alemanha Nazista a Oeste, e tropas da União Soviética o Leste. Todos estes eventos, ao longo da década de trinta, levaram a frágil paz existente na Europa ao colapso.

Anterior a este colapso, com objetivo de evitá-lo, as potências europeias fundam um órgão internacional que viria a ser reconhecido como a “Liga das Nações”. O objetivo desta instituição é promover, de forma pacífica, soluções para futuros conflitos entre os Estados independentes. Infelizmente, devido aos desentendimentos dos aliados perante as cláusulas do acordo de paz, a Liga das Nações se constituiu sem a participação de seu idealizador, os Estados Unidos. Na visão do autor, este desentendimento “privou-a de qualquer significado real”, principalmente a partir da sua não intervenção nos eventos citados anteriormente ao longo da década de trinta. (HOBSBAWM).

A Europa estava condenada a uma nova guerra, para Hobsbawm, assim como muitos outros historiadores, não existe dúvida neste ponto. A guerra toma palco em 01 de setembro de 1939. Hitler passaria a controlar quase toda a Europa em meados de 1940. Os acordos territoriais fixados por Versalhes, o último ponto que haviam resistido ao longo dos anos, foi desmantelado. Os antigos territórios Habsburgos já não existiam mais. O Tratado de Versalhes, oficialmente, estaria completamente rasgado.

Os territórios europeus pareciam predestinados a constituírem o chamado Terceiro Reich. Entretanto, Hitler rompe os acordos firmados em agosto de 1939 com a União Soviética e, em junho de 1941, a Operação Barbarossa toma palco. O Historiador Martin Gilbert entende este como o primeiro passo para a derrota alemã. Hobsbawm atribui este evento como a “revivida da guerra”, até então praticamente perdida para as potencias aliadas. Desta operação emergiram grandes batalhas como Kursk, Stalingrado, Moscou... todas extremamente violentas e sangrentas, com altas taxas de baixas para ambos os lados. Estas batalhas reforçaram a teoria de fim dos tempos, revivendo momentos da Primeira Grande Guerra aos olhos dos civis que observavam passivamente os eventos que se decorreram. Além disso, parafraseando o historiador Paul Veyne, a história é filha da memória, portanto, não podemos esquecer de reconhecer grandes personagens destas batalhas, com destaque para Lyudimila Pavlichenko e Simo Häyhä. Certamente dois grandes símbolos de combate a Alemanha Nazista.

Outro evento marcante da Segunda Guerra Mundial, que reafirma o sentimento de fim do mundo é a utilização das duas bombas nucleares, como já havia citado no início do trabalho. As detonações em Hiroshima (06 de agosto) e Nagazaki (09 de agosto) ceifaram ao menos duzentas mil vidas (GILBERT, Martin). Os ataques foram justificados, não apenas com o intuito de salvar vidas estadunidenses em uma eventual invasão das ilhas japonesas, mas sim, como afirmar Hobsbawm e muitos outros autores, com o intuito de evitar uma ocupação e anexação territorial das ilhas japonesas por parte da União Soviética.

Apesar da guerra na Europa ter chegado ao fim em 30 de abril de 1945, através da conquista de Berlim e rendição da Alemanha. No Pacífico, os combates seguiam a todo vapor. Uma eventual invasão das ilhas japonesas pairava sobre o horizonte. Esta invasão se materializaria através da chamada Operação Downfall. Esta operação consistia em um ataque múltiplo nas principais ilhas japonesas pelas forças dos Estados Unidos ao sul, complementados pelas forças Soviéticas ao norte, constituindo um movimento em pinça, sendo prevista para novembro de 1945. Entretanto, com a morte do Presidente Franklin Roosevelt e ascensão de Harry Truman a presidência dos Estados Unidos, a ideia de utilizar as bombas nucleares para pressionar o fim da guerra e mostrar força e poder ao mundo bipolar que se configurava, ganhou impulso. Dessa forma, um dia antes (06 de agosto) da prevista declaração de guerra Soviética ao Japão, que seria no dia 07 de agosto de 1945, os Estados Unidos lançam Little Boy, sob o céu de Hiroshima, passando, ao mesmo tempo, tanto a sua mensagem de força para o mundo, enquanto impedia a anexação dos territórios por parte da União Soviética.

Após abordar fatos militares, Hobsbawm levanta um questionamento interessante. Na página 49 de seu livro, o autor afirma: “[...] ao contrário de 1918, não houve sinal algum de revolução alemã contra Hitler.” É interessante observar essa limitação de revoltas ao âmbito militar, aqui com destaque a tentativa de assassinato de Hitler promovida pelo General Erwin Rommel, uma tentativa que, obviamente, fracassou e levaria a sua condenação a pena de morte em 14 de outubro de 1944. Talvez este fato, o não surgimento de grandes revoluções, tenha relação com a pobreza e fome que a população alemã enfrentou por consequências do Tratado de Versalhes e, portanto, realmente acreditavam que o Reich salvaria a Alemanha, ou então a intensa propaganda de Goebbles, auxiliada pela forte repressão da SS (Schutzstaffel - milícia paramilitar do partido nazista), imobilizaram completamente eventuais manifestações da população civil. Mas estas afirmações não podem ser tomadas como verdadeiras, é necessário um estudo aprofundado neste tema, conhecimento que ainda não possuo, mas devo admitir ser extremamente interessante.

Em meados de 1944, a guerra já estava praticamente vencida para os Aliados. Desde 1943 haviam retomado a ofensiva militar. Uma vitória crescia na mente das grandes potências participantes do bloco. Rapidamente se apressaram para discutir os assuntos do pós-guerra, mas Grã-Bretanha, Estados Unidos e União Soviética tiveram dificuldade em construir um consenso. Diversas conferências para discutir a vitória foram realizadas; Teerã (1943), Moscou (1944), Criméia (1945), Potsdam (1945). Todas tiveram um resultado parecido, não atingindo grandes sucessos nestes consentimentos. (HOBSBAWM).

Com o término da guerra em setembro de 1945, os países derrotados se mantiveram sob status de ocupação militar, com destaque para Alemanha, na qual teve sua capital, Berlim, ocupada e repartida entre todas as principais potencias do bloco dos Aliados. Japão também manteve seu território ocupado por tropas estadunidenses, assim como todos os países do Leste europeu que acabariam sendo anexados pela União Soviética até a sua dissolução em 1991. A única exceção neste ponto seria a Itália. Após a queda da chamada “linha gótica”, na qual contou com atuação direta das tropas brasileiras (FEB), o governo de Mussolini caiu e foi substituído, após o fim dos combates, por um governo reconhecido pelos Aliados.

Portanto, em seu texto, o autor encerra seu primeiro capítulo retornando ao questionamento inicial. Considerando os números astronômicos de mortos e feridos, beirando a casa dos milhões. Seria mesmo exagerado imaginar que a raça humana havia alcançado o seu epílogo? Para os homens e mulheres que vivenciaram as três décadas mais mortíferas da história da humanidade a resposta, provavelmente, seria um não. Não é um exagero. Parafraseando Hobsbawm, independente do número exatos de mortos, se foram 5 milhões, 10 milhões, 70 milhões. A certeza que podemos concluir é, foram muitos milhões, muitas vidas, famílias, sonhos e descobertas extintas. A própria história perdeu um grande nome em meio a este conflito, Marc Bloch, historiador, judeu e combatente da resistência francesa, condenado ao fuzilamento em 1944 pela Gestapo. Foram anos sombrios, mas o “breve” século XX, ainda estava apenas na metade. Muitos momentos sombrios ainda estariam por vir.



Bibliografia

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos, O breve século XX (1914-1991). Companhia das Letras. 2ª edição. Capítulo 1. 1995.

STEVENSON, David. 1914-1918, A História da Primeira Guerra Mundial. Novo Século. São Paulo. 2016.

GILBERT, Martin. A História do Século XX. Crítica. 1ª edição. 2017.

LIEBEL, Vinícius. Uma facada pelas costas: paranoia e Teoria da Conspiração entre conservadores no refluxo das Greves de 1917 na Alemanha. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 37, nº 76, 2017, pp. 45-65.

ALLEN, Thomas B.; POLMAR, Norman. Code-Name Downfall. New York: Simon & Schuster. 1995.


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