História do Brasil
Contexto
O final da primeira metade do século XVII foram anos complicados para a cidade do Rio de Janeiro. A capitania vinha sofrendo pela falta de recursos financeiros, agravados pelas epidemias de varíola que ocorreram entre os anos de 1642-1646, levando a morte de muitos escravos que trabalhavam no setor exportador de açúcar.
Esta crise, viria a causar uma desestabilização social no Rio de Janeiro, desestabilização essa que seria agravada através de decretos da coroa portuguesa que proibiam a produção de aguardente, um derivado da cana de açúcar, assim como seu consumo e exportação.
Dessa forma, em 1649 é criada a Companhia de Comércio. Um órgão com o objetivo de controlar o comércio colonial, uma manobra que viria a ser um golpe muito duro para a capitania do Rio de Janeiro.
Voltando um pouco no tempo, para 1617, período anterior a criação da Companhia de comércio, a Coroa Portuguesa já vinha proibindo a produção de aguardente na Colônia. O então governador do Rio de Janeiro, Constantino Menelau, já havia desobedecido estas ordens da metrópole, contornando o decreto e mantendo a produção do destilado.
A partir da criação da Companhia de Comércio, o descumprimento dessa medida passou a ser muito complicado, visto que a companhia impôs maiores restrições ao comércio colonial, limitando, exclusivamente, ao uso de navios da Companhia para a comercialização de produtos nos portos.
A cana de açúcar desenvolvia um papel muito importante na economia colonial, dessa forma, a cachaça, uma bebida fruto da extração do caldo do bagaço da cana, mostrou-se uma alternativa rentável a crise que a cidade vinha passando.
O principal motivo da oposição portuguesa a criação da Cachaça se tratava pela concorrência da bebida produzida na metrópole a partir do bagaço da uva, na qual recebia o nome de Bagaceira, uma aguardente de vinho. Foi para proteger o comércio da Bagaceira que o decreto régio fora implementado.
O Governador
O governador em exercício, ao longo do decorrer da revolta era Salvador Correa de Sá e Benavides, uma figura conhecida na capitania, com uma família influente. Salvador Correa de Sá assumiu o cargo em janeiro de 1660, sendo este, o seu segundo governo, com o primeiro decorrendo entre 1637 à 1643.
A relação entre governador e câmara não era muito amistosa, com setores da sociedade contrários ao seu mandato. Salvador Correa de Sá era acusado de enriquecimento ilícito e privilegiar parentes em cargos nomeados.
A principal proposta do Governador para contornar as questões financeiras que a capitania estava passando, estaria na criação de uma “finta”, um imposto territorial sobre as moradias e produções regionais. Este imposto sancionado sem a aprovação da Câmara levou ao descontentamento de múltiplas classes sociais e foi classificado ilegal por Frei Ignácio Bento, alegando ir contra as leis de Sua Majestade e as Leis eclesiásticas.
Por meio de reunião, a Câmara solicitou algumas mudanças nas determinações do Governador, visto que grande parcela da população encontrava em desacordo com tais medidas. Dentre as mudanças, fora solicitado a audaciosa liberação da produção de aguardente. Este produto fácil de vender e muito utilizado como material de troca nas
rotas de contrabando poderia ter sua legalização em vista, algo que mudaria a economia regional, trazendo autonomia à cidade.
A sociedade civil, militar e eclesiástica, descontentes com o então governador que não acatou suas demandas de fim aos impostos, juntou-se em um movimento revoltoso que ficaria conhecido como a Revolta da Cachaça. Tendo início às 05 horas da manhã, no dia 8 de novembro de 1660.
A Revolta
O pagamento da maior parcela do novo imposto havia sido determinado para os meses de outubro e novembro, neste período o Governador Salvador Correa de Sá havia se preparado para uma viagem até o sul da capitania, com o objetivo de averiguar a presença de ouro. Este seria o momento perfeito para dar início a uma revolta.
Dessa forma, em 8 de novembro, os moradores da Freguesia de São Gonçalo do Amarante, na Ponta do Brado, atuais bairros de Niterói e São Gonçalo, reuniram-se em um motim armado, liderados por Jerônimo Barbalho Bezerra, com o objetivo de derrubar Salvador Correa de Sá, além de exigirem novas eleições e a presença do Governador Interino Tomé Correia de Alvarenga.
Jeronimo Barbalho Bezerra, líder do movimento, era um sesmeiro membro da nobreza, possuindo o título de Capitão. Suas terras ocupavam territórios que hoje representam os bairros de Niterói e São Gonçalo.
Os revoltosos, por sua vez, elaboraram um documento aprovado pela câmara saudando ao Rei Afonso VI e que vinham, através dessa revolta, reclamar da tirania, tributos e humilhações impostas a população pelo então governador Salvador Correa de Sá.
Este documento recebeu um total de 112 assinaturas, mostrando que a revolta possuía muitos adeptos.
O primeiro ato da revolta foi em controlar a cidade do Rio de Janeiro socialmente através da adesão popular a revolta. Logo em seguida, os revoltosos buscaram o controle político. Agostinho Barbalho Bezerra foi designado para o cargo de Governador.
Os revoltosos se consolidaram na administração da cidade e iniciaram uma reorganização para promover benefícios para a chamada Nobreza mercantil, assim como perseguição a todos simpatizantes do antigo governo.
A resposta de Salvador Correa de Sá
Salvador Correa de Sá, que nesse ponto já havia viajado até São Paulo, publicou uma condenação a revolta e seus líderes, mas perdoava ao povo e reconheceria Agostinho Barbalho Bezerra como novo Governador do Rio de Janeiro. A aceitação de Agostinho por parte de Salvador, se deu a partir das medidas apaziguadoras propostas pelo novo governador, com o intuito de desacelerar os ânimos dos revoltosos.
O ex-governador de fato estava reunindo uma força invasora, constituída pelo apoio dos Paulistas, assim como o reforço de indígenas aliados aos jesuítas e tropas vindas de Salvador.
Em 6 de abril de 1661, Salvador Correa de Sá dá início ao ataque, cercando a cidade por terra e mar. Por terra, o ex-governador liderou tropas compostas por paulistas, indígenas e escravos, ao mesmo tempo que, pelo mar, desembarcavam na costa tropas comandadas pelo General Manoel Freire e o Almirante Francisco Freire.
Apesar de participarem do desembarque, as tropas portuguesas tinham ordens do Vice-rei para que mantivessem uma neutralidade no início do conflito.
A coroa portuguesa, que se encontrava em guerra com a Espanha desde 1640, após o término da União Ibérica, temia perder o controle da capitania e que os revoltosos se aliassem as tropas espanholas.
Nas primeiras horas do ataque, Salvador Correa de Sá enfrentou pouca resistência das tropas revoltosas, conquistando rapidamente a cidade.
Após sua vitória, Salvador reestabeleceu o seu cargo de Governador e convocou um tribunal para a condenação dos líderes da revolta. Jeronimo Barbalho Bezerra foi o único condenado a morte, com a sua cabeça sendo decapitada. Os demais membros da revolta foram condenados à prisão e enviados para a metrópole.
O conselho Ultramarino desaprovou a forma como Salvador Correa de Sá lidou com a revolta e, portanto, no dia 17 de maio de 1661 enviou um pedido a Rainha regente para que fosse escolhido um novo Governador para a Capitania do Rio de Janeiro. Para o cargo, fora escolhido Pedro de Melo.
Consequências
Apesar da revolta inicialmente ter aparentado um fracasso, suas medidas de eliminação de impostos e liberdade comercial foram mantidas na capitania.
A revolta também foi responsável por consolidar no poder a chamada Nobreza Mercantil, que influenciou as decisões políticas da cidade ao longo dos séculos XVIII e XIX.
Isso influenciou nas fiscalizações ao comércio da aguardente, que passaria a ser contrabandeada com muito mais facilidade, até sua liberação em 1695.
A família Correa de Sá perdeu influência na cidade, deixando de participar das decisões políticas, com nenhum outro Correa de Sá assumindo o cargo de Governador do Rio de Janeiro.
Bibliografia
GARALHA, Júlio Cesar Mendonça. A REVOLTA DA MUY LEAL CIDADE DO RIO DE JANEIRO CONTRA SALVADOR CORREIA DE SÁ E BENAVIDES, NOVEMBRO DE 1660 À ABRIL 1661, UMA ANÁLISE DA SOCIEDADE CARIOCA DO SÉCULO XVII. Rio de Janeiro. 1993.
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